A ideia de que “cadeia não é para todos” expressa, de forma crítica, uma percepção social amplamente difundida: a de que o sistema de justiça criminal no Brasil atua de forma seletiva, penalizando mais duramente os indivíduos oriundos das classes sociais mais vulneráveis, enquanto beneficia, com tratamento mais brando, os membros das elites econômica, política e institucional. Esse fenômeno, conhecido como justiça seletiva, revela não apenas falhas estruturais no sistema penal, mas também profundas desigualdades sociais e institucionais.
A seletividade penal se manifesta desde a atuação policial até o julgamento e a execução penal. Estudos empíricos revelam que o perfil majoritário da população carcerária brasileira é composto por jovens, negros, pobres e com baixa escolaridade — majoritariamente presos por crimes patrimoniais ou relacionados a drogas. Por outro lado, crimes de colarinho branco, envolvendo corrupção, lavagem de dinheiro e fraudes fiscais, muitas vezes resultam em penas alternativas, morosidade processual ou prescrição.
O sistema, assim, parece exercer um controle penal voltado para a marginalidade, enquanto adota um discurso de impunidade tolerável para as elites. Essa assimetria de tratamento fere princípios constitucionais como o da isonomia, dignidade da pessoa humana e igualdade perante a lei, comprometendo a legitimidade do sistema de justiça.
Além disso, a seletividade se alimenta da espetacularização da punição contra determinados grupos e da invisibilização de outros. Enquanto prisões de pessoas negras e periféricas são amplamente divulgadas com estigmatização midiática, réus poderosos são frequentemente protegidos por segredos de justiça, habeas corpus preventivos e recursos infindáveis.
Não se trata, portanto, apenas de um problema jurídico, mas de um problema estrutural e político. A reforma do sistema de justiça penal requer uma profunda revisão de seus mecanismos de seleção, investigação, julgamento e execução, para que a resposta penal deixe de ser instrumento de reprodução das desigualdades e passe a ser efetivamente um instrumento de justiça.
Em suma, a cadeia, como é aplicada no Brasil, não é para todos, mas para os de sempre. Superar essa realidade exige um compromisso com uma justiça igualitária, com garantias processuais efetivas, atuação institucional imparcial e com políticas públicas que combatam, na origem, a desigualdade social que hoje é criminalizada.
