A prisão em julgamento — também conhecida como prisão processual ou prisão antes do trânsito em julgado — é um tema recorrente e controverso no ordenamento jurídico brasileiro. A expressão remete à possibilidade de restrição da liberdade de um indivíduo que ainda não foi condenado de forma definitiva, ou seja, sem que tenha ocorrido o esgotamento de todos os recursos cabíveis. Essa medida, embora prevista em lei, deve ser analisada com cautela à luz dos princípios constitucionais do devido processo legal, da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 consagrou o princípio da presunção de inocência no artigo 5º, inciso LVII, estabelecendo que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Tal dispositivo foi interpretado por muitos anos como uma garantia intransigente contra prisões antes do encerramento definitivo do processo. No entanto, o próprio ordenamento jurídico prevê exceções a essa regra por meio das chamadas prisões cautelares, como a prisão em flagrante, a prisão preventiva e a prisão temporária.
A prisão preventiva, regulada pelo Código de Processo Penal (CPP), é o principal instrumento que permite a privação da liberdade durante o curso do processo. Ela pode ser decretada como forma de garantir a ordem pública, assegurar a aplicação da lei penal, preservar a instrução criminal ou evitar a reiteração criminosa. Ainda que não se trate de punição, mas de medida cautelar, a prisão preventiva impõe severas consequências ao acusado, o que exige fundamentação concreta e proporcionalidade.
A discussão sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância ganhou grande repercussão após decisões divergentes do Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2016, o STF permitiu a execução antecipada da pena, sob o argumento de que a decisão de segundo grau já representa juízo suficiente de culpa. No entanto, em 2019, a Corte voltou atrás, reafirmando a necessidade do trânsito em julgado para a execução da pena, o que consolidou o entendimento de que a prisão só pode ocorrer, como regra, após a última instância.
O tema também envolve um embate entre garantismo penal e o combate à impunidade. De um lado, está a defesa intransigente das garantias individuais, que vê na prisão em julgamento um risco de abuso de poder e de condenações prematuras. De outro, está o argumento da efetividade da Justiça, especialmente em casos de crimes graves, de grande repercussão social ou cometidos por pessoas com poder econômico, para os quais a morosidade do Judiciário favoreceria a impunidade.
É preciso, portanto, buscar um ponto de equilíbrio. O sistema penal deve assegurar os direitos fundamentais do acusado sem perder sua capacidade de proteger a sociedade e garantir a credibilidade da Justiça. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal tem enfatizado a necessidade de fundamentação individualizada das decisões de prisão cautelar, como forma de evitar arbitrariedades e garantir que tais medidas realmente atendam aos requisitos constitucionais e legais.
Em conclusão, a prisão em julgamento representa uma exceção à regra da presunção de inocência e, por isso, deve ser manejada com extrema cautela e responsabilidade. Seu uso deve ser restrito, proporcional e baseado em dados concretos que demonstrem a real necessidade da medida. O respeito ao devido processo legal e às garantias fundamentais deve sempre prevalecer, pois é na observância rigorosa desses princípios que se constrói um sistema de Justiça verdadeiramente democrático e justo.
